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2009-2021: UMA DÉCADA DE DOZE ANOS

Publicado por Ana Luiza Fonseca em 17.09.2022

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por Fabio Morais

[Este texto foi escrito por Fabio Morais em agosto de 2021, a convite da pesquisadora francesa Laurence Corbel, da Universidade de Rennes, que estuda as cenas de edições independentes na América Latina.]

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A última década foi marcada por uma intensa expansão no cenário de edições independentes no Brasil. A partir de 2009, houve um visível aumento de práticas editoriais e de feiras de publicações que primeiro aconteceu na cidade de São Paulo, mas logo capilarizou-se em iniciativas disseminadas por diversas regiões do país que, ao organizar seus próprios circuitos, tornaram-se nós de uma rede de cenas locais. Porém, falar em “Brasil” e em “edições independentes” é algo complexo que, no mínimo, exige contextualização.

O Brasil é um país gigantesco, com vários “Brasis” absolutamente diferentes entre si, com contextos que se sobrepõem ou convivem sem, necessariamente, se comunicar. Quando se fala em “Brasil”, é comum que se esteja falando do eixo São Paulo-Rio de Janeiro e seu entorno, fato que reproduz internamente lógicas colonizadoras que consideram a região sudeste do país, economicamente mais rica, como “centro”. Assim, embora esse circuito de edições independentes tenha se expandido em rede ao longo da última década, ele está longe de incluir toda a territorialidade do país e a interseccionalidade de seus contextos. Essa rede de pequenas editoras e autores é mais densa nas regiões de grandes cidades do sudeste e do sul mais litorâneos, estendendo-se pouco rumo ao norte e ao interior do país.

Já sobre o termo “edições independentes”, no Brasil pode-se dizer que há uma década ele abarca desde o desejo de publicar a si mesmo, seus pares e seus assuntos de interesse – de autores que se auto-editam a pequenas editoras financiadas tanto por editais públicos quanto pelo emprego formal ou pelo trabalho free-lancer e uberizado de seus editores –, ao empreendedorismo que precisa pensar o “editar” também como um negócio, mesmo que longe da escala industrial do mercado editorial. 

Nesse universo das edições independentes, a ideia de lucro, natural a qualquer atividade comercial, divide espaço com a ideia de “menos prejuízo possível” ou, sendo mais otimista, de autossustentabilidade. Nesse caso, ser autossustentável demanda, entre outras coisas, a constante manutenção de uma comunidade na qual a circulação editorial é possível graças a uma rede de consumidores também engajados nessa construção de circuito, algo que difere do consumidor alienado em relação às políticas editoriais das grandes editoras. Com alcances menos ambiciosos, as tiragens das chamadas edições independentes costumam ser menores que as do mercado editorial, porém mais insistentes no engajamento comunitário com quem consome. Não se trata da relação de fidelidade entre consumidor e mercadoria, forjada pelo capitalismo de marcas, mas de despertar a consciência do consumidor/leitor de que ele também faz parte do – e ajuda a construir o – lugar discursivo da editora. Assim, editar é um ato intelectual, poético, artístico, político, criativo, militante etc., em uma ponta, e de construção de redes coletivas de circulação de discurso, na outra, e todo esse arco implica um consumidor/leitor ciente de seu papel.

Feiras de Arte impressa como agentes do circuito

O foco na construção de relações de comunidade entre editores e consumidores, com a consciência mútua dessa construção, talvez seja um dos fatores que explica uma década de intensa movimentação das publicações independentes no Brasil. O marco inicial desse período é localizável: a 1a Feira Tijuana de Arte Impressa, realizada em 2009 pela Galeria Vermelho, em São Paulo, em parceria com o Centre National de L’Édition et de L’Art Imprimé (CNEAI). Organizada por uma galeria de arte contemporânea, a Feira Tijuana espelhou-se nas feiras de publicações de artista que há ao redor do mundo, praticando no Brasil um modelo que diferia tanto do gigantismo de eventos tradicionais, como as Bienais do Livro de São Paulo e do Rio de Janeiro, quanto de festivais exclusivamente literários ou focados em recortes e temas específicos.  

Salon Light | Flores e Livros (ou 1ª  Feira Tijuana de Arte Impressa) / 2009 / Galeria Vermelho (São Paulo)

De 2009 a 2019, a Feira Tijuana aumentou de tamanho ano a ano, ganhando mais espaço físico quando, em 2013, transferiu-se para a Casa do Povo, que passou a organizar o evento junto com a Galeria Vermelho. Além do aumento de participantes, outra estratégia para construção de circuito em rede foi a feira ser itinerante, acontecendo também no Rio de Janeiro, Lima e Buenos Aires. Em um terreno até então extremamente árido para iniciativas editoriais independentes em São Paulo, a Feira Tijuana serviu não só de lugar de comercialização de uma produção que vinha sendo realizada, mas também de incentivo a uma produção futura, já que se tornou um lugar onde autores e editores viam seus desejos de editar realizados por outras pessoas. Exercida por todas as feiras que foram surgindo a partir de 2009, essa atuação dupla – estimular a venda e também o surgimento de novos agentes – conjugada à economia nacional em expansão, provavelmente explica o enorme sucesso que, em poucos anos, fez a Feira Tijuana procurar mais espaço físico na Casa do Povo; fez surgir novas feiras na cidade de São Paulo, como a Plana e a Miolo(s), que ultrapassaram o tamanho da Tijuana; e, ainda, estimulou que feiras fossem organizadas em cidades como Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba e Brasília, formando uma rede. 

5ª  Feira Tijuana de Arte Impressa / 2013 / Casa do Povo (São Paulo)

A multiplicação de feiras colocou em rede regiões distantes entre si, fazendo com que autores e editores circulassem pelas várias cidades onde aconteciam tais eventos, fato que promoveu uma sadia interlocução entre atividades até então solitárias e isoladas. Ao organizar o próprio evento, editores locais expandiam a rede ao convidar editores de variadas regiões, unindo assim a ideia de construção de um circuito comum com a autogestão de feiras que atendessem demandas e modelos locais. Assim, ao longo da década de 2010, surgiram feiras que decentralizaram e capilarizaram o circuito, como Turnê (São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro 2012-13), Plana (São Paulo, 2013-2018), Pão de Fôrma (Rio de Janeiro, 2015-2016), FILEX (Salvador, 2013- ), Miolo(s) (São Paulo, 2014- ), Parada Gráfica (Porto Alegre, 2014- ), Flamboiã (Florianópolis, 2015- ), Feira da Baronesa (Curitiba, 2014-2017), Dente (Brasília, 2015- ), Dobra (Londrina, 2018) e Feira Estopim (Curitiba, 2020- ). 

Turnê – Rio de Janeiro / com A Bolha, na Fábrica Bhering (Rio de Janeiro)
Feira Miolo(s) 2014 / Biblioteca Mario de Andrade (São Paulo)
Feira Flamboiã 2015 (Florianópolis)

Diversidade editorial: uma rede de diferenças

Além da variedade e capilaridade do circuito, esse movimento de editores independentes apostou também na diversidade de perfis e práticas editoriais. Quando, em 2009, a Galeria Vermelho organizou a 1a Feria de Arte Impressa Tijuana, a maioria das editoras participantes era ligada à arte contemporânea – como o próprio selo da feira, o Edições Tijuana, ou a plataforma par(ent)esis, editora focada em práticas curatoriais impressas e experimentações de escrita no campo da arte. Porém, a diversidade de práticas editoriais logo redesenhou o perfil do evento. Ao longo da década, a feira passou a contar com uma variedade de editoras que expandiu seu foco para além das publicações ligadas à arte e ainda atraiu práticas editoriais que tanto subvertiam modelos tradicionais de atuação quanto experimentavam formas de impressão que viabilizavam sua atividade editorial. Sendo o offset e a impressão digital bastante custosos no Brasil, as baixas tiragens somadas às técnicas artesanais possibilitaram nesse momento a produção de um bom número de pequenas editoras e de auto-editores. 

O coletivo Dulcineia Catadora, por exemplo, surgido em 2007 a partir de uma oficina do coletivo argentino Eloisa Cartonera, na 27a Bienal de São Paulo, é uma editora que experimenta tanto novos modelos editoriais quanto técnicas de impressão de baixo custo. Funcionando em cooperativas de catadores de papelão, o Dulcineia Catadora usa esse material a ser reciclado para a confecção e pintura das capas dos livros de literatura e arte que publica, criando assim uma economia autossustentável que funciona paralela à estrutura econômica da própria cooperativa. Com uma atuação que foca também oficinas, cursos e criações coletivas, o Dulcineia Catadora, ao longo da década passada, engajou-se na expansão da rede de editoras cartoneras que há na América Latina, uma rede que conjuga engajamento político direto e produção editorial. 

livros da Dulcinéia Catadora

Reinventar modelos editoriais tradicionais e buscar formas de impressão economicamente viáveis parecem ser características que unem muitos dos agentes do circuito editorial independente no Brasil. Com tiragens pequenas e tipos de impressões e confecções que também burlam altos custos, a padê editorial, de Brasília, é uma editora inspirada pelas estéticas cartoneras latino-americanas, com um foco em autoras negras LBTs e com direta ligação com slams de poesia, como o Slam das Minas. A recuperação de práticas artesanais na produção editorial, além de questões de viabilidade econômica, aparece também como escolha estética em artistas e editoras que fazem uso de variadas técnicas de gravura e da tipografia, seja em intervenções gráficas urbanas seja confeccionando livros, como o coletivo ocupeacidade e a gráficafábrica, ambos de São Paulo, ou o Grafatório, de Londrina. 

Grafatório (Londrina)
ocupecidade (São Paulo)

O ocupeacidade e o Grafatório são exemplos de coletivos de artistas que, ao gerir ateliês de técnicas de impressão que prestam serviços e também ministram cursos, acabaram tecendo uma outra rede de intercâmbio: a dos impressores. Editoras como a É selo de língua, de São Paulo, e a Editora Editora, de Florianópolis, têm publicações impressas pelo Grafatório, ateliê que foi responsável também por uma feira em Londrina, a Dobra. Sobre técnicas de impressão, durante a última década houve também intenso uso de impressoras risográficas sobretudo depois que, logo no início desse aumento do circuito, por volta de 2013, a editora Meli Melo, de São Paulo, adquiriu esse equipamento e passou a publicar seus livros somente sob essa técnica. Muitas das editoras que também adquiriram esse equipamento acabaram imprimindo edições de outras editoras, muitas vezes fazendo do espaço de trabalho um lugar de convivência e formação de editores, de cursos e de exposições, como a Risotropical (São Paulo), a margem ; press (Salvador) e Risotrip (Rio de Janeiro), reafirmando assim a rede de intercâmbio entre editoras impressoras. 

Aliando características de impressão artesanal e industrial, a risografia concatenou sua estética bastante peculiar com a possibilidade de tiragens menores a custo baixo, sendo uma espécie de meio caminho entre editores de práticas artesanais, como as editoras cartoneras, e as tiragens e impressões industriais, como é caso de A Bolha. Editora de literatura e quadrinhos, com ênfase em autoras LGBTQI+, A Bolha participou já das primeiras versões da Feira Tijuana e foi fundamental para a expansão do circuito independente, dando infraestrutura para a realização da feira Turnê (2012-2013), no Rio de Janeiro, e ainda realizando por alguns anos a feira Pão de Forma, também no Rio. Outro exemplo de editora que trabalha sob o modelo de grandes tiragens e também engajou-se na construção do circuito é a Lote 42, que publica literatura, quadrinhos e poesia, mantém uma banca de rua em São Paulo, a Banca Tatuí, tem um espaço para exposições, cursos e eventos, a Sala Tatuí, e ainda organiza a Feira Miolo(s) na Biblioteca Mario de Andrade, em São Paulo, a segunda maior biblioteca do país. O modelo de atuação editorial que concatena editar, criar redes de pesquisa e ainda comercializar a própria produção, acabou por formatar projetos que aglutinaram diferentes frentes de atuação, como a Tenda de Livros, que iniciou como uma barraca de livros no Parque da Independência, em São Paulo, e hoje é uma plataforma editorial cujos temas como anarcofemismo, LGBTQI+ e decolonialismo vêm gerando, desde 2014, jornais, livros, cursos e fóruns focados em pesquisa histórica, militância política e interlocução latino-americana. 

Banca Tatuí (São Paulo)

A criação de lugares de venda que sejam núcleos de encontros e interlocuções também vem sendo uma recorrente estratégia de atuação editorial para esse circuito independente, seja em projetos itinerantes como a LOJA (2009-2010, itinerante por várias cidades), e a Banca Carrocinha (itinerância pela cidade do Rio de Janeiro), seja em bancas de rua como a Banca Tijuana, a Banca Tatuí, a Banca Curva (São Paulo) e a Banca 789 (Belo Horizonte), ou, ainda, em livrarias como a Casa Plana (fruto da Feira Plana, em São Paulo) e a livraria que a editora A Bolha teve durante alguns anos em um prédio ocupado por ateliês de artistas, a antiga Fábrica da Bering, no Rio de Janeiro, onde foi feita a primeira versão da Feira Turnê na cidade. Naturalmente, o ímpeto de reunir fisicamente a produção editorial desse circuito originou também iniciativas de construção de acervos públicos, um quesito ainda bastante deficitário no Brasil.

LOJA – projeto da par(ent)esis (Florianópolis)
Banca Carrocinha (Rio de Janeiro)
Banca Curva (São Paulo)

Concebida pelo artista e pesquisador Amir Brito Cadôr, a Biblioteca de Livros de Artista da UFMG (Belo Horizonte) foi o primeiro acervo público contemporâneo surgido em paralelo à rede de editores independentes da década de 2010. De modo sintomático, ter um primeiro acervo dentro de uma biblioteca universitária respondeu a uma característica do circuito de editoras e autores ligados às artes plásticas: essa produção editorial de arte é fruto de políticas de ensino, sobretudo em alguns departamentos de artes plásticas cujos docentes contemplam as publicações de artista em disciplinas da graduação e da pós-graduação, como a própria UFMG (Belo Horizonte), a UDESC (Florianópolis) e a UFRGS (Porto Alegre). Ainda sobre a prática de doações para formação de acervos públicos, há o caso do Projecto Multiplo, projeto nômade de mapeamento da rede latino-americana de editores que encerrou suas atividades com a doação de seu acervo para o CCSP (São Paulo), e há ainda as doações promovidas pelas feiras para as instituições que as abrigam, caso da Feira Miolo(s), para o acervo da Biblioteca Mário de Andrade, e da Feira Tijuana, para a Biblioteca do Parque Lage, no Rio de Janeiro. 

Projecto Multiplo

A união dessas diversas modalidades editoriais e modos de atuação constituiu esse circuito independente ao longo da última década. Sem se restringir a um tema, linguagem ou modelo de produção, tal circuito parece ter apostado sempre em espaços e eventos abertos à convivência e à troca entre diferentes – entre diferenças editoriais – como um território de fronteira, de borda, de mistura e de contaminação, um ideal fronteiriço e multitemático impossível na territorialidade fechada e demarcada do circuito editorial hegemônico e suas categorias. Tal diversidade talvez seja a principal característica dessa rede de editores independentes que se verifica no Brasil, desde 2009. 

Uma década formatada pelo que já é História

Mas há de se lembrar que a vontade e o impulso de construção coletiva de um circuito editorial alternativo aconteceu em meio a mudanças político-econômicas no Brasil que, sem dúvida, determinaram muito a formação desse novo campo editorial que emergia. Sem prever que, em um futuro próximo, haveria uma reviravolta político-econômica inimaginável, o Brasil começou a década de 2010 assumindo um protagonismo econômico desenvolvimentista na América, calcado em políticas de aumento do mercado interno e de inclusão e reparo de injustiças sociais. A partir de 2009, perto da transição entre os governos dos presidentes Lula e Dilma Roussef, do Partido dos Trabalhadores, a pujança econômica nacional sem dúvida impulsionou autores e pequenos editores a se engajar na aventura de editar. Enquanto no plano macro o Brasil se tornava, em 2011, a 6a economia do mundo, no plano micro uma das menores taxas de desemprego da história somava-se ao aquecimento do consumo interno, aumentando o poder aquisitivo pessoal.

Embora certa ambiguidade neoliberal atingisse de alguma forma os governos do PT que, já nessa época, aderiam à troca do emprego formal pelo empreendedorismo do eu-empresa, nesse primeiro momento essa precarização talvez não tenha sido sentida de forma drástica por causa da economia em expansão gerando cada vez mais demanda por trabalho, inclusive trabalho formal. A economia aquecida fez multiplicar pelo país pequenos negócios, muitas vezes de uma só pessoa. Dentro desse fenômeno empreendedor, a maior oferta de trabalho provavelmente incentivou que autores e editores investissem o próprio dinheiro em suas produções editoriais, às vezes apoiadas por editais de incentivo às atividades culturais que se proliferaram na década de 2010. Resultados de um consumo interno que arrecadava cada vez mais impostos, esses editais existiam nos três níveis da federação – nacional, estadual e municipal – e foram importantes para que muitos autores e editores produzissem seus trabalhos sem gastos e, assim, tivessem como investir na continuidade de produção, como é o caso, por exemplo, da revista Recibo, (Recife), da revista Piseagrama, (Belo Horizonte), e do periódico Jornal de Borda, (São Paulo), que contaram com editais públicos ao longo de várias edições. Talvez possa-se dizer ainda que o incentivo à universidade pública nos governos PT, como os programas de acesso das classes mais pobres e a política de cotas raciais, tenha gerado uma geração de jovens recém saídos da universidade que viam no ato editorial uma fusão de expressão criativa e atuação política compatíveis a um ar de “reconstrução coletiva de país” que marcou os anos 2010. Foi assim, nesse cenário que conjugava questões macro e micro, que a partir de 2009 se multiplicou, a olhos vistos, autores e escritores que se auto-editavam e pequenas editoras que lançavam-se na atividade editorial. 

Revista Recibo
Revista Piseagrama

Porém, no meio da década, todo esse cenário político-econômico começou a ruir. Em 2016, o Brasil sofreu um golpe jurídico-midiático-parlamentar que derrubou a presidenta Dilma Roussef, abrindo caminho para a eleição, em 2018, de um governo de extrema-direita de ideal neofacista, militar, autoritário, teocrático, eugenista, racista, classista, misógino e LGBTfóbico. Sob esse governo sustentado por forças neoliberais, o desmonte do Estado de proteção social e a adoção de políticas de austeridade e de privatizações resultaram no retorno do aumento da pobreza, na estagnação econômica e na concentração de riqueza como explícita política de governo. 

Construir um futuro invisível, incerto e inimaginável

Além dessas questões político-econômicas, a década de 2020 inicia-se no Brasil impondo as relações online como forma de manter atividades durante a pandemia da covid-19. Esse fato arrematou a história de uma década de edições independentes no Brasil com o cancelamento de eventos presenciais e com a necessidade de criar estratégias que partissem do distanciamento social como condição. Embora o atual cenário político-econômico e pandêmico seja catastrófico e possa ter minado a possibilidade de muitos autores e editores continuar suas atividades, parece que o circuito conquistado a partir de 2009 ainda mantém certo fôlego. Aquilo que na década passada parecia a construção coletiva de um projeto de país, agora tem o ar de construção coletiva de um futuro invisível, incerto e inimaginável, mas que chegará e, por isso, só resta ser construído.

Entre 2020-21, versões online de feiras – Flamboiã, Miolo(s) e Estopim, por exemplo – mais os próprios sites das editoras garantiram a venda, a circulação e a interlocução entre os agentes do circuito. Projetos de geração de conteúdo também mantêm viva a reflexão sobre a atual realidade enfrentada pelos pequenos editores, como  formasdelaidea, programa de encontros e discussões online organizado pelas feiras microutopías (Uruguai), Paraguay (Argentina) e Tijuana (Brasil), com ênfase na rede latino-americana de editoras independentes; ou como o projeto Grupo de Leitura e Tradução sobre o Trabalho Editorial Independente – criado por Tanja Baudouin e Ana Luiza Fonseca, da Feira Tijuana, depois que o evento de 2020 foi cancelado frente à pandemia – onde textos sobre a atividade editorial são traduzidos de forma coletiva em oficinas online de tradução, em um intercâmbio entre três das línguas “oficiais” americanas: o português, o espanhol e o inglês.

Em meio a esse momento em que se tenta estratégias de atuação frente aos novos desafios políticos, econômicos e pandêmicos que a realidade impõe, a recente criação do site Praça experimenta novos formatos possíveis para a manutenção do circuito de edições independentes. Criado por Ana Luiza Fonseca, diretora da Feira Tijuana, e por Rachel Gontijo Araújo e Stephanie Sauer, fundadoras da editora A Bolha, e lançando em setembro de 2021, o site A Praça é uma plataforma com geração de conteúdo, com formatos que vão de revista online a programa de cursos e oficinas, e ainda com uma livraria em formato marketplace, onde cada autor ou editora hospeda sua loja online, cabendo à plataforma fornecer infraestrutura tecnológica e burocrática de e-commerce

Tentando reunir de forma online a rede de editores e autores que as feiras físicas vieram tecendo na última década, o projeto A Praça – também fruto direto dessa rede, na soma da Feira Tijuana com A Bolha – responde a uma realidade mediada por telas, a partir da covid-19, mas vai além dessa resposta factual ao estabelecer um modelo que por si só expande a rede de editores e autores para além dos limites que eventos presenciais conseguiram atingir nos últimos anos. Se o circuito de independentes, pontuado e desenhado pelas feiras presenciais nessa última década, teve dificuldades de ir além das regiões litorâneas mais ao sul do país, A Praça, com seu modelo virtual, pode expandir essa rede de um modo que seria bastante difícil via eventos físicos. 

Ao possibilitar que qualquer pessoa se cadastre em A Praça, abra sua livraria online e passe a fazer parte dessa comunidade, propondo cursos, fóruns e outros conteúdos online, editoras e autores encurtam as distâncias continentais do Brasil e também subvertem as dificuldades de acesso – ao debate, à produção, à venda e ao consumo de produtos editorias – que a realidade socialmente estratificada do país impõe, fato que garante que os meios editorias, no Brasil, estejam sempre nas mãos de uma elite econômica que arbitra o que julga “culturalmente relevante”. A possibilidade de qualquer pessoa se auto-editar e conseguir exibir e comercializar suas publicações de modo online em A Praça dispensa intermediações legitimadoras e, assim, horizontaliza o que, por sua capilaridade no tecido social, teria tudo para ser naturalmente horizontalizado: o meio editorial.

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